quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Os sambas que eu não fiz

André Fossati

Seu Geraldo se apresenta antes da sessão de cinema

O dobrado, a partitura, semínima, fusa, semifusa. “Eu sou músico de escola”, gaba o trompetista Aureliano. "É bem mais difícil, o alfabeto é o dó, ré, mi, fa, sol, la, si que vai do grave ao agudo". Já o sanfoneiro seu Geraldo toca de ouvido. Peço para me ensinar os acordes na sanfona e ele se confunde. "Essas bolinhas são o baixo que acompanha o teclado. O fole é para sair som", explica. Durante a exibição de cinema em Ibiaí, Geraldo comenta. “Acho que isso de estudar não tem nada a ver, se você consegue tocar música bonita”. Ele tem razão, sua sanfona despertou os aplausos da sessão lotada. A história de Adão é ourta. Ele trabalhava para o pai tocar. "A gente era pobre e ele teve muito filho. Não tive como aprender”, conta. Mesmo assim ele sabe muito de instrumento e brilha os olhos quando fala do pai e da música.

A banda antiga de Ibiaí é o que une tudo isso. “Era a melhor, só perdia para São Romão”, Adão comenta. O pai tocava todos os instrumentos e o maestro da banda fazia questão dele nas apresentações. Certo dia o maestro apareceu na roça para buscar o pai, mas eles estavam roçando o terreno e o pai se recusou a abandonar a lavoura. Seu Adão ainda pequeno disse: "vai lá pai e eu dou um jeito de achar alguém para me ajudar na lida.” "Se é assim eu vou", respondeu. Já seu Aureliano também era integrante da banda e se lembra dos sambas antigos. Geraldo e Aureliano vivem música de forma diferentes. Geraldo nunca teve visão e Aureliano já não vê com os olhos por causa da idade. Um fala do dom de nascença e o outro da relevância dos estudos.


Seu Aureliano jura que sabe os sambas de cor

Outros carnavais

“Vai, vai amor, vai que depois eu vou”. Tataratatá. Seu Aureliano guarda na memória os sambas que a antiga banda da cidade tocava. Ele pediu a prefeita de Ibiaí para trazer uma banda de Brasília e pediu também para que tocassem o dobrado. Aureliano se emocionou e o Seu Adão também.

"Peraí que vou buscar o caderno". Seu Aureliano guarda a memória na escritura. A lista de todos os vapores de Minas e Bahia e alguns sambas que ele quase sabe de cor. Dentro de toda essa memória algumas anotações que não fazem muito sentido. A capital do méxico é maior que a capital de São Paulo. Inconstitucionalicimamente. Essas frases soltas só fazem sentido pelo jeito metódico de Aureliano que ficou pouco tempo na escola, mas mostra que sabe soletar a maior palavra de 32 letras. "Para você ver o crânio de uma pessoa inteligente", gaba. O Orgulho de Aureliano por sua história nos chama atenção e nos fez ter a ideia de gravar seus sambas. Chegamos lá com a equipe de filmagem, eu gravava o som, enquanto Amanda ia lendo uns trechos dos sambas anotados no caderno.

A memória é boa, mas ele ainda precisa de alguém para falar o comecinho dos sambas antigos. Só isso já faz Aureliano puxar tudo da memória. A autoria deles não importa, o que vale é a lembrança das melodias que são passadas de geração a geração. Aureliano canta Chiquinha bacana e diz: "É tudo meu. Eu posso cair mortinho se alguém me ajudou a fazer". Ele não está dizendo da autoria, se refere a memória, à lembrança e às letras escritas no caderno. Seu Aureliano não encherga bem, mas avisa: "Toma cuidado que as duas primeiras folhas estão soltas e não posso perder nada".


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