quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Pelas estradas da Bahia

Nas cidades baianas banhadas pelo rio São Francisco, a preocupação com a seca chega lenta, na velocidade da correnteza. A água está visivelmente mais baixa, mas o rio ainda cobre todo o leito, em algumas partes.

Barcos na beira do rio, no município de Angico, na Bahia. Foto: Rangel Moreira

A rotina nas cidades continua. Continuam também as atividades ribeirinhas, como a pesca, a lavagem de roupas e louças, as brincadeiras infantis, os banhos diários.

O sol lambe as águas do Velho Chico com a mesma avidez, talvez prevendo o risco de não mais ter um espelho para refletir suas cabeleiras douradas.

Nessa viagem, o sertão nos recebeu quente e empoeirado, como sempre. As pessoas sempre amáveis e receptivas! Já causamos espevitarias por aqui. Muitos aguardam o projeto! O Cinema no Rio está por vir...!

Carro do projeto Cinema no Rio, na estrada. Foto: Rangel Moreira

Texto enviado por Rangel Moreira, integrante da equipe do Projeto Cinema no Rio São Francisco, que começa em outubro. Parte da equipe viaja pelas cidades ribeirinhas. 

terça-feira, 3 de junho de 2014

Para defender o rio São Francisco!

O Rio São Francisco está em risco e é preciso defendê-lo. Por isso, o Comitê do rio São Francisco lançou a campanha Eu viro carranca pra defender o Velho Chico, que busca conscientizar a população sobre a necessidade da preservação e revitalização do rio.

Uma das ações é o abaixo-assinado que reivindica a participação do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) no Conselhos Gestor do Programa da Revitalização do Rio São Francisco, instituído desde 2004 pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA). Para participar é só acessar esse link: http://migre.me/jBoYu


Com isso, pretende-se que o CBHSF integre as discussões destinadas a reverter o quadro de degradação ambiental na bacia do São Francisco, potencializando os esforços comuns em prol da preservação ambiental e da melhoria de qualidade de vida da população ribeirinha.

A campanha, que não é contra ninguém mas sim a favor do rio, antes de tudo tem o objetivo de mostrar a preocupação crescente das populações ribeirinhas diante dos problemas atuais da bacia. Ou uma grande perplexidade face ao alto grau de desgaste e sofrimento desse rio tão importante para o povo brasileiro.
São problemas que impedem o Velho Chico de cumprir funções históricas básicas, como abastecimento público de água, pesca e navegação, enfrentando uma degradação ambiental sem precedentes, fruto das mais diversas causas.

Mobilize-se! Participe! Juntos vamos eleger o dia 3 de junho como o Dia Nacional em Defesa do rio São Francisco!

O Chico é um velho guerreiro, rio do povo brasileiro!
Quem maltrata o São Francisco, maltrata o Brasil inteiro!

(Texto e foto retirados do site do Vire Carranca)

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Despedida com sabor de saudade

Atenção autoridades! A equipe inteira apresenta o mesmo sintoma: nos sentimos vazios. A nossa alma ficou no Velho Chico. É, ficou por lá. Decidiu que não ia mais voltar. Quis ver de novo o pôr-do-sol em Januária, tomar um café com os pescadores de Barra do Guaicuí, brincar nas prainhas que se formam em Pedras de Maria da Cruz, em tempos de seca. Enquanto o tempo dela passa devagar, no ritmo das águas do caudaloso São Francisco, a gente fica olhando para o relógio, marcando na folinha o momento de voltar e resgatá-la. Ou o momento de ser resgatado por ela.

Parte da equipe em Pirapora, no início da expedição. Foto: André Fossati

A verdade é que queremos ser resgatados: estamos ansiosos para voltar. Durante os quinze dias do Cinema no Rio tivemos o prazer de produzir dezenas de imagens, ensinar técnicas de fotografias para centenas de crianças e fazer exibições de cinema para milhares de pessoas. Fomos pagos com o conhecimento, as histórias e os sorrisos dos moradores ribeirinhos, sempre tão afetuosos. Quem, em sã consciência, ficaria feliz em dizer tchau?

Esse dia vai chegar. E enquanto isso, para os leitores que acompanharam a expedição (mesmo de longe), um recado do idealizador do projeto, Inácio Neves, e um vídeo produzido por Maria Ribeiro para mostrar um pouco da rotina da equipe durante os quentes e ternos dias que o nosso barco velejava em "alto-rio".


Queridos amigos,

Depois de muitas alvoradas e e entardeceres, entremeados de encontros, chegamos ao final da oitava edição do projeto Cinema no Rio São Francisco, com um desejo enorme de iniciar a nona. Pretendemos, no próximo ano, chegar até Juazeiro, na Bahia, navegando pela represa de Sobradinho, único local em que o projeto ainda não se fez presente.

Agradeço a toda equipe, aos patrocinadores, a Oi e a Petrobrás, aos ribeirinhos, a vocês que nos acompanharam e, principalmente, ao Rio São Francisco que, embora em agonia, continua possibilitando nossa passagem. Continuem acompanhando o Blog e aguardem os próximos capítulos!

Abraços, Inácio Neves

Produzido por Maria Ribeiro

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Bebo água de todo rio

Em nossa andança pelas margens do Velho Chico, exibindo algumas histórias no telão e ouvindo outras tantas em cada praça, quintal, ou botequim, a sensação é de mergulhar de ponta nos contos e causos de Guimarães Rosa, o escritor que  marcou a literatura brasileira com seus causos de inspiração do cerrado mineiro e seu povo.

(Em oficina, alunas registram as belezas da natureza e do povo de Manga. Foto: André Fossati)

Para quem “deu um dedo de prosa” com os moradores mais antigos de Matias Cardoso ficou a certeza de que o autor em algum momento ou dimensão conheceu os personagens como as gêmeas Simiana e Maria que estavam na primeira fila da sessão de cinema de da cidade.

Depois dos filmes, em um bate papo com a equipe do Cinema no Rio elas tentavam explicar a idade. “Naquele abril, sabe? A gente fez 90 anos. Agora nesse último abril que foi esse ano, a gente fez 74.” O ano é o de menos, o que interessa pra gente é o causo. “A gente veio pra cá no ano da fome, você lembra? A gente era criança. “Minha mãe trouxe nós duas assim, uma enganchada do lado e a outra do outro. Um dia Maria caiu na moita, mas eu fiquei bem agarradinha”, explica uma das senhoras falantes e cheias de gestos. “A gente comia fruta do mato e os peixes que o pai pescava no rio, quando ainda tinha peixe bastante”. Hoje o peixe acabou.

        — Mas as senhoras ainda vão ao rio?
        — Todo dia a gente pega a água lá.
        — Para quê?
        — Pra beber, pra lavar roupa, para cozinhar. A gente não gosta da água da Copasa porque é muito branca!

Entre uma história e outra, cantavam músicas, entoavam orações com os braços erguidos para a Igreja São Francisco e rodavam as saias sempre sincronizadas.

        — As senhoras vêm muito à igreja?
        — Sempre! O novo padre é uma beleza. Ele abraça a gente! Você conheceu o outro? Aquele Deus há de me perdoar.

(Foto: Inácio Neves)

E continuavam rodar embaladas por “Mulher Rendeira”.

        — “A gente gosta muito de cantar, de festa. Quando não tem festa a gente não está ‘sastisfeita’”, conta Maria.
        — Então canta mais uma:
        — Ah leke, leke, leke, leke. Leke é gostoso, né???

Beleza de versatilidade sertaneja tão louvada por Rosa que também deve ter conhecido o Galinha Tonta de São Francisco, que aprendeu a falar inglês, japonês e alemão nos sonhos ou a dona Pitú de Matias Cardoso que conta lúcida as histórias da seca de 1917. Eita que essa água do São Francisco, apesar dos pesares, está rendendo saúde e histórias.

“Bebo água de todo rio... Uma só, para mim, é pouca, talvez não me chegue. (...) Tudo me quieta, me suspende. Qualquer sombrinha me refresca. (...) Muita gente não me aprova, acham que lei de Deus é privilégio, invariável(Grande sertão Veredas, 2001, p. 32)

Por Camila Fróis

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

A viagem de São Pedro

           O senhor mandou São Pedro descer para ver como era. Ele foi. Quando chegou, era forró pra todo canto. Churrasco, dança, música e bebedeira. Segundo as instruções recebidas, era para ele ir de manhã e voltar a tarde, mas só lembrou disso no terceiro dia. Ele voltou. O senhor, então, lhe perguntou:
           — Como é que ta lá, Pedro?
           — Uma beleza. Muito churrasco, festa, gente bebendo, povo zuando...
           — E eles falaram de mim?
           — Olha, para falar a verdade, nesses dias ninguém tocou no seu nome.
           — Tudo bem.
           E Pedro perguntou:
           — Quando é que o senhor vai mandar eu ir lá de novo?
           — Deixa passar o tempo
           E passou o tempo. São Pedro estava louco para voltar à Terra e todos os dias ele perguntava para o senhor quando poderia visitar os seus amigos de novo. Certo dia, Deus o chamou.
           — Pedro, hoje você vai descer — e pensou "pronto, é hoje que eu vou me acabar lá embaixo" — Você pode ir agora e ficar 15 dias — anunciou, Deus.
           Então Pedro desceu, mas voltou naquele mesmo dia, a tarde. O senhor estava lá.
           — O que aconteceu, Pedro?
           — Olha senhor, aquilo lá não está prestando, não. Um calor enorme, seca, fome... não tem quem aguente.
           — Mas estão falando de mim?
           — É só nisso que se fala.
           — Tudo bem.

Foto: André Fossati

Depois de uma grande gargalhada, todo mundo ficou em silêncio. Estavam atentos à fala de Edélcio Rodrigues dos Anjos, o seu Tezinho, o seleiro mais conhecido de Manga. Sua maneira de contar histórias, misturando o bom humor em todos os detalhes (muitas vezes sagrados), já é conhecida pelos amigos da cidade. Ele não poupa as piadas na hora de falar sobre um assunto sério. E também não poupa os assuntos sérios. A viagem de São Pedro foi a metáfora que ele usou para contar de um tempo bom, tempo em que a cidade tinha muitas festas e que a população vivia na fartura.

Principalmente fartura de peixe. Seu Tezinho nunca foi pescador, mas também já pescou muito. Colocava o anzol na água e pescava surubim, pacamã e "uns douradão que só vendo", mas parou já faz tempo. "Hoje acabou tudo. Os mais velhos ficam triste de ver o rio nessa situação. Os mais novos não ligam porque já conheceram o rio arrasado, ne?"

Naquela época tinha mais que peixe. Tinha vapor e caboclo d'água. Tinha rio cheio. "Uma vez eu fui banhar nesse rio e quase morro. Fazia três anos que eu não nadava nem nada. Eu passei um apuro... Num ficou santo no mundo que eu não chamasse. Quando eu ia afundando eu pensei em pisar na areia, aí eu vi que a água ficou pela cintura (risos). Eu sai caminhando. Parece engraçado, mas é porque naquela época o rio era fundo mesmo. Eu dei foi sorte de parar naquele lugar", rememora. Quem passa pelo São Francisco e sente a água batendo no joelho leva o pensamento pra longe.

Parece que junto com o esvaziamento do rio foi-se parte da cultura. Os forrós da cidade são uma recordação distante de quase todos os antigos moradores de Manga. Dos grupos populares só resta o São Gonçalo, que luta para não deixar a tradição morrer. Outros como o Reizado e os Reis do Jaraguaia, de origem quilombola, não existem mais. O secretário de Administração, fazenda e planejamento, Diogo Saraiva, admitem que essas culturas foram se perdendo por causa da "imigração e falta de incentivo".

Foto: André Fossati

Com relação à cultura não-tradicional, Manga faz parte da lista de cidades que tinham cinema. Há 50 anos atrás, na época dos coronéis, havia um cinema local que durou 10 anos. "Quando essas famílias foram perdendo o poder o cinema acabou. Não conseguiu passar de geração para geração", afirma Diogo. A única oportunidade da população de assistir filmes na telona é quando projeto Cinema no Rio vai para a cidade. No dia 12 de setembro, sessão de encerramento do projeto Cinema no Rio, os moradores assistiram aos curtas L e Ernesto no país do futebol e aos longas Rio e Vou rifar meu coração.

Por Juliana Afonso